Vol. 45 No. 177 (1985): D. Fernando Gomes dos Santos: defensor et procurator populi
Dedicamos este número da REB a Dom Fernando Gomes dos Santos, Arcebispo de Goiânia no Brasil Central, pelos seus 75 anos de idade e 42 de ministério episcopal. Ele é hoje o decano dos bispos diocesanos brasileiros. Nele queremos homenagear a figura do pastor e do profeta, «defensor et procurator populi», que ao lado de tantos outros tem animado a coragem da Igreja em seu compromisso evangélico para com os pobres e oprimidos.
Dom Fernando nos faz recordar, seja pela sua figura imponente, seja pelo seu denodo, seja por sua impressionante força de persuasão, os grandes bispos do passado, como Santo Ambrósio, São João Crisóstomo e São Gregário Magno. Há poucos fatos eclesiais dos últimos 30 anos que não venham marcados pela presença de Dom Fernando Gomes. Influenciou na criação da Conferência Nacional dos Bispos, na fundação do Movimento de Educação de Base (MEB), na ereção de Brasília como nova capital, na promoção da Ação Católica numa linha de libertação e na articulação da evangelização que une fé e vida dos pobres. Esteve presente no Vaticano II com notáveis intervenções e em Medellín.
Quando se abateu a repressão após o golpe de Estado em 1964 foi Dom Fernando um dos primeiros a denunciar a prepotência do modelo econômico explorador dos pobres. Sem violência e sem medo (è o título de um livro seu, de 1982, onde recolhe suas principais intervenções) enfrentou os poderosos. Intuiu claramente onde estava a contradição fundamental que afastava a Igreja do regime militar: «diz-se que a Igreja está contra o Governo. Não è a Igreja que está contra o Governo, é o Governo que está contra o Povo. É claro que a Igreja existe em função do Povo de Deus, sobretudo do povo pobre» — declarou a 27 de setembro de 1981. Já escrevia em março de 591 São Gregório Magno ao subdiácono Pedro: «Os bispos não se imiscuam em controvérsias políticas, salvo em caso de urgência na defesa dos direitos dos pobres» (Ep 1,39a). Esta foi e continua sendo a política evangélica de Dom Fernando: defender os pobres, denunciar seus opressores, animar a caminhada da libertação. Em razão deste compromisso não teme expor-se, ser criticado e até marginalizado por algumas instâncias curiais. Recordemos novamente São Gregório Magno; em sua carta sinodal de fevereiro de 591 dizia da missão do bispo: «constrói certamente um muro de proteção à casa de Israel (Igreja) aquele bispo que, por causa de seu povo, se expõe... Deve sair do esconderijo, opor-se com voz livre aos poderosos deste mundo em defesa do rebanho» (Ep 1,24). Porque Dom Fernando fez tudo isto de forma exemplar queremos agradecer-lhe em nome dos leitores desta revista. Que Deus o conserve na profecia e no pastoreio para a consolidação da Igreja que testemunha a vida no meio dos pobres.
Frei Leonardo Boff, OFM
Redator da REB